O ministro da Justiça, Flavio Dino, disse nesta terça-feira (9) que a Polícia Federal deve iniciar neste mês uma série de operações para apreender …
O ministro da Justiça, Flavio Dino, disse nesta terça-feira (9) que a Polícia Federal deve iniciar neste mês uma série de operações para apreender armas de fogo não recadastradas no Sistema Nacional de Armas (Sinarm). Em audiência pública da Comissão de Segurança Pública (CSP), Dino informou que pelo menos 6.168 armas de uso restrito não tiveram o registro renovado no prazo concluído na semana passada.
— Quase 100% das armas foram recadastradas. Em relação a armas de uso permitido, tivemos mais armas recadastradas do que as originalmente cadastradas. Mas 6.168 armas de uso restrito não foram recadastradas. Há, por exemplo, fuzis que não foram apresentados às autoridades policiais. Armas em mãos erradas são um caminho para a perpetração de crimes. Tirar armas de quadrilhas e organizações criminosas é um caminho para a paz social — afirmou.
Segundo o ministro, o Poder Executivo prepara um novo decreto para promover um “controle responsável” do arsenal na mão de civis.
— Teremos a apresentação do novo marco regulamentar da Lei 10.826, de 2023 . O novo decreto será apresentado ao presidente da República para que possamos dar uma continuidade a política de controle responsável de armas — anunciou.
O debate sobre armas mobilizou parte da audiência pública na CSP, que foi presidida pelo senador Sergio Petecão (PSD-AC). Para a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), armas de uso restrito nas mãos de civis acabam sendo desviadas para o crime organizado.
— O crime organizado usa sobretudo fuzis. Armamento de uso restrito que, é bom lembrar, até 2019, os civis não tinham acesso. Só passou a ter acesso depois das várias intervenções e decretos do então presidente Jair Bolsonaro. De cada seis fuzis, apenas um foi recadastrado. Onde estão os restantes? Estão na mão de quem? Na mão do crime organizado — argumentou.
O senador Magno Malta (PL-ES), autor do convite a Flávio Dino, defendeu o acesso de colecionadores, atiradores desportivos e caçadores — conhecidos como CACs — às armas de fogo.
— O senhor disse que essas armas são desviadas. O individuo que se tornou CAC para cometer crime é marginal, é bandido. Quero saber é como vossa excelência vai fazer para desarmar as organizações criminosas. Desarmar o cidadão de bem, o senhor já disse como fazer. Agora quero saber como desarmar as organizações criminosas — questionou.
Em resposta a Magno Malta, o ministro Flávio Dino, que listou ações do governo contra as organizações criminosas, disse que “alguns CACs se associaram a práticas criminosas”.
— Criminosos viraram CACs, e CACs também se associaram a práticas criminosas. Por isso, têm ocorrida as prisões. Infelizmente, temos uma zona de interseção. É claro que temos a imensa maioria dos CACs que não comete crimes. Mas temos alguns que estão a serviços de organizações. Grande parte dessas armas foi parar exatamente na mão da milícia, na mão do PCC, do CV e de outras organizações criminosas — afirmou.
Ianomâmis
Questionado pelos senadores Damares Alves (Republicanos-DF), Dr. Hiran (PP-RR), Leila Barros (PDT-DF) e Rogerio Marinho (PL-RN), Flavio Dino comentou o conflito entre garimpeiros e indígenas nas terras ianomâmi. Nas últimas duas semanas, foram registradas 17 mortes na área.
— Estamos nesse processo de desintrusão. Mais de 80% [do processo] já foi executado. Infelizmente, isso foi se avolumando ao longo de anos em que não havia o respeito à lei. Tenho conhecimento de dezenas de ofícios enviados ao Ministério da Justiça desde 2020, alertando de que havia uma situação gravíssima e ninguém fez nada. É uma situação dramática que me parece configurar genocídio — afirmou.
Em resposta ao senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Dino defendeu a votação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei (PL) 2.630/2020 , do senador Ales Alessandro Vieira (PSDB-ES). Conhecido como PL das Fake News, o texto institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet e tem objetivo de combater a disseminação de notícias falsas.
— Uma rádio é regulada? Sim. Uma TV? Sim. A família? Sim. O parlamentar? Sim. Uma farmácia? Também. Um fazenda? Um banco? Também. Por que só as plataformas tecnológicas não podem ter regulação, se todas as atividade humanas, lucrativas ou não, têm regulação? Quem deu essa imunidade jurídica para cinco empresas que querem controlar o pensamento, a arte, a cultura, a politica, a economia, os negócios? Que imunidade é essa? Imunidade do poder financeiro? Que quer inclusive ameaçar esse Parlamento? Chantagear esse Congresso? É claro que é necessária uma regulação — argumentou.
“Anomalias”
O senador Jorge Kajuru (PSB-GO) pediu a Flávio Dino uma resposta para a superlotação de presídios.
— O Brasil tem uma das maiores populações carcerárias do mundo e enfrenta problemas estruturais crônicos. Um deles é funcionar como um realimentador da criminalidade. As facões criminosas fazem das penitenciárias seus home offices. Como mudar tal situação e criar condições para ressocializar quem passa pelo sistema prisional? — questionou.
Em resposta, Dino disse ter identificado algumas “anomalias” quando assumiu o Ministério da Justiça. Uma delas foi a existência de “dinheiro empoçado”, ou seja: orçamento público disponível para execução, mas “travado” por falta de regras mais simples para a liberação para os estados e o Distrito Federal. Seriam R$ 2,2 bilhões do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) e R$ 2,4 bilhões no Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP).
— No caso do Funpen, apenas metade do que foi repassado para construção [de presídios] foi utilizada. O primeiro ponto de uma estratégia é fazer com que o dinheiro existente seja aplicado. Esse ‘empoçamento’ impede a eficácia do Ministério da Justiça. São mais R$ 4 bilhões parados, e ninguém estava vendo? Não é possível isso. Temos estados com mais de R$ 100 milhões “empoçados”. Não conseguiam gastar porque o marco federal era equivocado, era errado — criticou.
Pronasci
O senador Sergio Moro (União-PR), que foi ministro da Justiça entre 2019 e 2020, questionou a decisão do Poder Executivo de lançar uma nova versão do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, o Pronasci II.
— Estudos feitos em cima do Pronasci apontaram que, apesar do elevado dispêndio bilhões de reais, não houve o resultado pretendido. Quando o Pronasci começou, havia 48 mil assassinatos por ano no Brasil. Quando foi encerrado, em 2011, eram 52 mil assassinatos. Em 2016, foram 62 mil assassinatos, que voltaram a cair apenas em 2018 e anos seguintes. Por que insistir num programa que não deu certo no passado para a redução da criminalidade — questionou.
Em resposta a Sergio Moro, Flávio Dino defendeu o Pronasci, criado pela Lei 11.530, de 2007 .
— Estamos aprimorando e corrigindo o Pronasci, mas não negando. Por uma razão simples: é uma lei. Se eu não aplico a lei, eu estou errado. Se o senhor não aplicou, o senhor errou. O Pronasci é uma lei votada por este Congresso Nacional, que nunca foi revogada. Não podemos simplesmente pegar uma lei e jogar fora. O senhor não pode pedir que o governo deixe de cumprir a lei por conta de uma vontade autoritária de impedir o governo de governar. Compreendo sua irresignação com o governo, é um direito que o senhor tem. Mas não nos peça para violar a lei. Somos o governo da lei — afirmou o ministro.
Durante a audiência pública, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) criticou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 635/2019), que impede operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro desde a a pandemia do coronavírus. A medida foi proposta ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo PSB, partido de Flávio Dino.
— Essa ADPF fez com que criminosos do Brasil inteiro entendessem que o Rio de Janeiro está sendo um local seguro para que eles possam cometer seus crimes: traficantes de drogas, assassinos de policiais, pedófilos, tudo da pior espécie tem vindo para o Rio. O domínio do tráfico é cada vez maior por causa da praticamente impossibilidade de os policias trabalharem no Rio de Janeiro — disse o parlamentar.
Dino disse estar solidário com a população do estado.
— Converso sempre com o governador atual [Claudio Castro]. [A criminalidade no Rio] é um problema, como o senhor sabe, crônico. Em relação a ADPF, é claro que precisamos esperar o STF julgar. É claro que há muitas audiências de conciliação entre STF, governo do Rio e governo federal — explicou.
8 de janeiro
O senador Marcos do Val (Podemos-ES) criticou a atuação de Flávio Dino durante os atos golpistas do dia 8 de janeiro. As investigações sobre o caso resultaram na prisão de Anderson Torres, antecessor de Dino no Ministério da Justiça e, à época dos ataques, secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.
— Um relatório da Abin [Agência Brasileira de Inteligência] ao qual tive acesso em momento algum cita a possibilidade uma manifestação pacífica. Pelo contrário: é super detalhista. Esse documento diariamente chagava para o GSI [Gabinete de Segurança Institucional] e para o Ministério da Justiça. Em todo momento era dito que teria depredação e tentativa de tomar o poder. Espero que o ministro Flávio Dino seja afastado e, se possível, até preso, como foi o Anderson Torres — disse Marcos do Val.
Dino rebateu, afirmando que o senador apresentou dados inverídicos.
— Já disse e vou dizer mais uma vez: não recebi relatório da Abin. Não adianta pegar trechos de entrevistas para pescar contradições inexistentes, a não ser na sua mente. Essas construções mentais que o senhor faz, muito singulares, não têm suporte nos fatos. […] Fui juiz e nunca fiz conluio com Ministério Público. Nunca tive sentença anulada. Por ter sido um juiz honesto, não admito que ninguém venha dizer que eu tenho que ser preso. Isso é desrespeito. Quem tem honra defende. É a contundência dos justos — respondeu Flavio Dino.
A audiência pública contou ainda com a participação dos senadores Ana Paula Lobato (PSB-MA), Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), Chico Rodrigues (PSB-RR), Cleitinho (Republicanos-MG), Eduardo Girão (Novo-CE), Fabiano Contarato (PT-ES), Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Izalci Lucas (PSDB-DF), Jacques Wagner (PT-BA), Jorge Seif (PL-SC), Luis Carlos Heinze (PP-RS), Omar Aziz (PSD-AM), Soraya Thronicke (União-MS), Styvenson Valentim (Podemos-RN) e Zenaide Maia (PSD-RN).