O Exército concedeu tantas licenças para pessoas físicas terem acesso à arma de fogo. Dados levantados pelo órgão a pedido do GLOBO mostram um boom inédito a partir de 2016, quando foram emitidas 20.575 autorizações, 185% a mais que os 7.215 do ano anterior. Com demanda recorde, a tendência é de alta. Somente em 2017, 14.024 cidadãos já obtiveram o aval, média de 2.033 por mês ou 66 por dia.
De 2005 a 2017, o número de pessoas com a autorização válida subiu 395%, de 14.865 para 73.615. Cerca de 90% do total atual são os chamados CACs, sigla usada para denominar caçadores, atiradores e colecionadores registrados. Ao contrário das demais pessoas físicas que se reportam à Polícia Federal (PF) para pedir autorização de posse ou porte de arma, essa categoria é regulada pelo Exército.
A corrida à certificação como CAC pode ser explicada, segundo especialistas e a própria categoria ouvida pela reportagem, por diferentes fatores. Um deles é que essa modalidade de registro virou uma alternativa ao controle da Polícia Federal e uma forma de se armar em meio à escalada da violência. A consolidação de entidades e clubes de tiro desportivo pelo país e a popularização da modalidade que deu a primeira medalha ao Brasil nas Olimpíadas do Rio também contribuem.
Mas na visão dos próprios dos donos das armas, o aumento do grupo é consequência de uma política que impede o acesso ao armamento de forma injustificada. Eles assinalam ainda que atendem a todas as regras do Exército. Especialistas em segurança, porém, são mais cautelosos com relação ao “atalho” que pode configurar o enfraquecimento das regras de controle de armas no Brasil.
Renato Sérgio Lima, diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cobra dos ministérios da Justiça e da Defesa uma análise criteriosa do aumento expressivo de registros expedidos.
— O governo federal já deveria ter acendido uma luz vermelha para saber se o fenômeno não é uma burla ao Estatuto do Desarmamento. Se for isso, precisamos reforçar a supervisão e o monitoramento. Mas o que vemos é o contrário: o governo afrouxando regras e estendendo prazos para dar uma resposta política a um grupo que grita muito.
ACERVOS NO MERCADO CLANDESTINO
Na avaliação de Lima, os efeitos colaterais de uma maior circulação de armas para a segurança pública são evidentes. Ele destaca o risco de os acervos de colecionadores, caçadores e atiradores caírem no mercado clandestino. Além disso, aponta um problema crônico das políticas de combate à violência no Brasil: a falta de compartilhamento de dados.
— O Sigma, que é o sistema de controle de armas usado pelo Exército, não se comunica com o Sinarm, que é o da Polícia Federal. Ou seja, o policial militar que aborda um atirador, por exemplo, não tem nem como fazer uma consulta sobre a documentação apresentada — diz Lima.
Carlos Eugênio Mendes de Moraes, vice-presidente da Federação de Tiro Esportivo do Distrito Federal, reconhece um movimento de buscar o CAC como atalho.
— A PF dificultou muito o registro da arma, que é a posse, e tornou o porte quase impossível. Com isso, as pessoas cerceadas desse direito migraram para o Exército. Não é a maioria, mas tem havido isso — defende Moraes, acrescentando: — O que não significa que o Exército seja uma segunda via fácil. A diferença é que eles cumprem a lei, garantem o seu direito se você atende as regras.
A percepção é a mesma relatada por Luiz Gustavo da Cunha. O advogado, que escolheu um estande de tiro para comemorar com a família o aniversário de 39 anos na última semana, conta que a paixão por armas começou ainda na infância. Aos 14 anos, acompanhado do pai, fez um curso de tiro. Mas a história terminou ali por pressão da mãe, que não simpatizava com a ideia.
Só em 2010, Luiz Gustavo comprou a primeira arma, uma Glock de origem austríaca, após obter autorização da PF. Em 2015, pediu o registro de posse da segunda peça, mas foi indeferido. Ali descobriu que era possível obter certificado junto ao Exército. De um apaixonado por tiro, o advogado se tornou um praticante desportivo, com acervo de oito armas que, em breve, chegará a 14, após efetivar transferências pendentes.
— A PF dificultou muito o registro da arma, que é a posse, e tornou o porte quase impossível. Com isso, as pessoas cerceadas desse direito migraram para o Exército. Não é a maioria, mas tem havido isso — defende Moraes, acrescentando: — O que não significa que o Exército seja uma segunda via fácil. A diferença é que eles cumprem a lei, garantem o seu direito se você atende as regras.
A percepção é a mesma relatada por Luiz Gustavo da Cunha. O advogado, que escolheu um estande de tiro para comemorar com a família o aniversário de 39 anos na última semana, conta que a paixão por armas começou ainda na infância. Aos 14 anos, acompanhado do pai, fez um curso de tiro. Mas a história terminou ali por pressão da mãe, que não simpatizava com a ideia.
Só em 2010, Luiz Gustavo comprou a primeira arma, uma Glock de origem austríaca, após obter autorização da PF. Em 2015, pediu o registro de posse da segunda peça, mas foi indeferido. Ali descobriu que era possível obter certificado junto ao Exército. De um apaixonado por tiro, o advogado se tornou um praticante desportivo, com acervo de oito armas que, em breve, chegará a 14, após efetivar transferências pendentes.
— A dificuldade de ter uma segunda arma, pela PF, foi o que me levou a saber que existia o registro de CAC no Exército. A diferença é que tive que me profissionalizar. Já vou para a segunda competição — afirma o rapaz.
LICENÇA PARA ATÉ 16 ARMAS
Entre outros critérios para obter a certificação de CAC, válida por três anos, estão atestado psicológico, comprovante de aptidão técnica e vinculação a um clube de tiro. Os requisitos não diferem muito dos exigidos pela PF. Licenciados precisam registrar também junto ao Exército cada uma das armas que possuem. Atiradores de nível 3, o mais avançado, podem ter até 16 armas, sendo oito de calibre restrito.
Segundo o Exército, ainda “não houve um estudo para levantar as causas do incremento na solicitação de CR (certificado de registro) para CAC”. No entanto, ainda conforme o órgão, é possível inferir como possíveis causas “o aumento do interesse do cidadão pela prática de tiro desportivo” e “do número de entidades de tiros e de federações”. Além disso, aponta que profissionais da segurança veem a atividade como forma de treinar o tiro e aponta a melhoria no atendimento e rapidez por parte do Exército como hipótese para o crescimento de licenças concedidas.
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